Os cinco sentidos da vida - parte 1

“Um cristão verdadeiro é uma pessoa estranha em todos os sentidos. Ele sente um amor supremo por alguém que ele nunca viu; conversa familiarmente todos os dias com alguém que não pode ver; espera ir para o céu pelos méritos de outro; esvazia-se para que possa estar cheio; admite estar errado para que possa ser declarado certo; desce para que possa ir para o alto; é mais forte quando ele é mais fraco; é mais rico quando é mais pobre; mais feliz quando se sente o pior. Ele morre para que possa viver; renuncia para que possa ter; doa para que possa manter; vê o invisível, ouve o inaudível e conhece o que excede todo o entendimento”

A. W. Tozer

A cada ano que passa acompanhamos os anos indo embora e nossas vidas trilhando o mesmo caminho. Entretanto, o que de fato passa? A nossa vida ou a vida que se passa? Será que temos perdido os nossos sentidos a tal ponto de não conseguirmos discernir o que é real ou ilusório? Para muitos, a vida já passou e não tem tido nenhum sentido a razão de sua existência. O que de fato ocorre quando olhamos para a vida e simplesmente a vemos sair por entre os dedos como as águas do mar que não podemos reter em nossas mãos?

As circunstâncias adversas em alguns casos nos levam a refletir sobre o motivo de nossa existencialidade. Porém, nem sempre isto acontece. Penso que a questão em si seja mais profunda do que possamos imaginar, porém, não menos complexa. Acredito que quando perdemos os cinco sentidos, nossas vidas se esvaziam de significado, relevância e o seu sabor nos deixa um amargo na alma que corrói nosso corpo. O perder os sentidos é a capacidade de não termos uma cosmovisão servidora e acolhedora que ofereça abrigo ao invés de prisão. Falar dos cinco sentidos nos parece fácil e comum demais quando perdemos a sensibilidade de reconhecermos o que somos e para o que fomos criados. O sentido de existência perde seu valor quando nossos sentidos ficam entenebrecidos pelo pecado que nos leva a condição de escravos e que nos distanciam do real propósito de Deus.

A visão do homem tem ficado obscura na medida em que deixa de enxergar o outro e não contemplar mais a vida. Os olhos revelam o oculto da alma e descortinam as intenções do coração humano, revelando o que não gostamos de transparecer para as pessoas quando somos acometidos pelas circunstâncias da vida. Quando perdemos a visão, o que fica são as lembranças do que eram e que não voltam mais atrás. Que pena! Muitos caminham na sua jornada de vida sem perceberem que mesmo tendo sua visão em perfeito funcionamento, já não conseguem mais se sensibilizar com as mazelas e angústias de homens e mulheres que perdem seu rumo e que não conseguem chegar a lugar algum. O oposto, é que muitos de fato não têm sua visão, mas ainda assim os outros sentidos são tão aflorados que nos deixar envergonhados com tamanha compaixão e percepção aguçada para “enxergarem” onde não conseguimos ver por termos nossos olhos insensíveis a toda ordem criada. Falta-nos o olhar gracioso de Cristo penetrando no coração enganoso do ser humano. Mas, os olhos de Deus não nos deixam desamparados e sem direção para seguir, pelo contrário seus olhos nos vêem não mais como criaturas, mas como filhos amados pelo seu infinito amor que nos enche de perdão e graça.

Gosto de sentir o cheiro da vida e não o da falta de esperança. Cheiro este que nos tem faltado gradativamente na sociedade. É edificante saber o quão belo e suave é ter a sutileza de perceber o cheiro das flores, do campo, dos frutos, etc. Já que o que nos tem sido oferecido são os cheiros dos óleos gordurosos dos fast-foods que num primeiro momento salta-nos as narinas com seu odor, mais depois nos dá náusea e enjôo. Precisamos entregar nossas ofertas suaves e agradáveis a Deus novamente, mas não como num relacionamento de troca, mas de contentamento e alegria. A percepção do nosso olfato parece não estar filtrando as impurezas maléficas que o mundo nos apresenta a cada instante, e por isso temos sentido o cheiro de morte, de injustiça, de miséria e de nossas mazelas existenciais invadindo nosso ser e não damos conta de substituirmos estes odores desagradáveis. Precisamos exalar o bom perfume do mestre do amor em nossas vidas e borrifarmos o néctar da graça nos corações de homens e mulheres que no encontro com o Cristo tem suas esperanças renovadas por sua Palavra.

Sinto a falta de desenvolvermos a prática de auscultar, de sentir os sons do corpo e ter a sensibilidade de se compadecer com a dor do outro. As agruras da vida nos fazem insensíveis e às vezes tapam nossos ouvidos de forma tal que somos levados como folhas secas e sem vida que caem no chão. A nossa audição tem estado fechada e mal acostumada com os sons barulhentos das cidades urbanas a tal ponto, que já não conseguimos mais ouvir o ruído de quando a chuva vai chegar, dos pássaros em seu revoar, das gargalhadas das crianças, das notas musicais que tocam em nosso ser e tantos outros sons agradáveis que se perdem de nossas memórias. Somos desafiados por Deus a aprendermos a ouvir sua voz nos chamando bem perto do ouvido e nos levando a um nível de intimidade com Ele que transpassa a subjetividade do encontro com o transcendente. Num relacionamento amadurecido com Deus saímos da religiosidade vazia e sem propósito para um aprofundamento e quebrantamento de nossas estruturas com sua imanência que nos invade rasgando a alma e desnudando nossa interioridade para nos tornar com ouvidos audíveis a voz do Espírito. Sendo assim, homens e mulheres se tornam participantes deste processo maravilhoso de continuarmos a ouvir com o coração as inquietudes do ser. Que tenhamos ouvidos solidários e compassivos na construção de sermos novas criaturas. Que ouçamos a voz do Espírito! Continuamos no próximo encontro.

Marco Carvalho