31 de outubro de 2011

Mulheres incríveis da reforma


     Com demasiada frequência, os livros didáticos se concentram exclusivamente nos homens da Reforma – Lutero, Calvino, Cranmer, e outros – e deixam de notar as mulheres fiéis que serviram entre, ao lado e com os reformadores.
    Estas mulheres foram dedicadas ao evangelho de Jesus Cristo, algumas ao ponto do martírio. Muitas dessas mulheres eram bem-educadas, especialmente pelo padrão de seu tempo. Elas liam livros de teologia, especialmente a Bíblia, e qualquer coisa dos reformadores que podiam ter em suas mãos. Seus círculos de amigos faziam parte de longos e frequentes estudos bíblicos. Eram esposas e mães em sua maioria. Algumas também foram autoras, apologistas, ex-freiras e rainhas. Todas eram servas fiéis de Jesus.

ALEMANHA

Katherine von Bora era uma ex-freira que se casou com Martinho Lutero. Eles foram casados ​​por 21 anos e tiveram seis filhos. Sua rápida língua, humor e teimosia equiparavam-se aos de Martinho – não é pouca coisa. Ela administrava casa deles (que era frequentemente cheia de estudantes), tinha um grande jardim e gado, pescava e cultivava, e manteve uma cervejaria. Ela também administrava o dinheiro deles e cuidava das famílias estendidas deles. Martinho a chamava de “Minha Senhora Katie.” (Leia mais sobre ela aqui)
Katharina Schutz Zell foi casada com Matthew Zell de Estrasburgo e ministrava em parceria com seu marido. Ela desenvolveu ministérios de mulheres e publicou um livro de Salmos para as mulheres cantarem. Ela teve um papel de liderança na organização de auxílio para 150 homens exilados de sua cidade por sua fé, e escreveu encorajamentos bíblicos para as esposas e as crianças deixadas para trás. Durante a Guerra dos Camponeses, ela organizou Estrasburgo para lidar com 3.000 refugiados por um período de seis meses.
Ursula von Münsterberg (1491?  – 1534) foi a neta do rei George Podiebrad da Boêmia. Ursula era uma freira em um convento em Freiberg, Saxônia. Ela liderou um esforço para trazer para o convento um capelão que estava familiarizado com Lutero e tinha livros contrabandeados de Lutero. Devido a isso, ela foi forçada a fugir do seu convento em 1529, sendo que depois que ela permaneceu com a família de Lutero.
Argula von Grumbach era uma nobre da Baviera, que vigorosamente desafiava a aptidão da Universidade de Ingolstadt para debater seus pontos de vista reformados. Suas cartas foram amplamente divulgadas.
Anna Rhegius nasceu em Augsburg em 1505. Ela tinha uma boa educação, que incluiu o estudo do hebraico, permitindo-lhe discutir escritos bíblicos em grande profundidade.
Elisabeth von Braunschweig casou-se aos 15 anos. Depois de ter sido casada por 10 anos, sua mãe Elisabeth a visitou e convidou um pastor luterano para pregar. Dentro de um ano, Elisabeth se converteu e resolveu criar seu filho como um luterano. Após a morte de seu marido, ela escreveu um livro tentando consolar viúvas, ajudando-as através do processo de luto.
Elisabeth Cruciger era de Pomerânia e passou um tempo no convento em Treptow em Rega. Ela deixou o convento em 1522 ou 1523 e se casou com Caspar Cruciger em 1524, evento que marcou o primeiro do casamento protestante oficial. Uma amiga de Katherine Lutero, Elisabeth estava envolvida em debates teológicos nas “conversas de mesa” de Lutero e com Philip Melanchthon, que a considerava uma mulher brilhante. Ela escreveu o primeiro hino protestante em 1524, o que criou uma polêmica já que as mulheres não eram geralmente compositoras naqueles dias.

FRANÇA & PAÍSES BAIXOS

Jeanne d’Albret foi a rainha de Navarra e uma influente líder do movimento huguenote na França. Ela convidou pregadores reformados para falar em sua terra e declarou publicamente sua adesão ao calvinismo em 1560, no entanto, ela deixou claro que ela seguiu “Beza, Calvino e outros apenas na medida em que eles seguiam as Escrituras”. Ela tentou criar uma ponte entre católicos e protestantes e tentou trazer a paz quando as guerras começaram a acontecer. De fato, sendo uma protestante, ela permitiu a continuidade da missa em suas terras, recusando-se a punir os católicos que não se converteram ao protestantismo.
Ursula Jost foi uma mulher anabatista influente em Estrasburgo que escreveu um livro narrando suas visões proféticas do juízo iminente de Deus que viria sobre o povo de sua cidade.
Idelette de Bure era uma viúva com três filhos quando se casou com João Calvino. Uma das crianças deles morreu na infância e ela sofreu um aborto na outra. No processo, Calvino, que falou pouco de sua vida de casado, foi profundamente tocado. O relacionamento deles suavizou o coração dele profundamente.
Marie Dentière (c. 1495-1561) era de origem flamenga de uma família de menor nobreza. Ela fazia parte de um mosteiro agostiniano em Tournai, o qual ela abandonou mais tarde depois de abraçar os ensinamentos dos reformadores, um crime contra a igreja e o estado. Ela fugiu para Estrasburgo e casou-se com Simon Robert, que havia sido um padre, em Tournai, tornando-se sua assistente em seu objetivo de difundir a reforma para a área ao leste de Genebra. Após a morte do marido, ela se casou com Antione Froment, um seguidor do reformador William Farel. Marie escreveu um panfleto anônimo com o objetivo de convencer os genebrinos das intenções de Deus para sua cidade. Ela também falou em tavernas públicas e nas esquinas. Foi um sucesso porquanto Genebra se tornou uma república protestante. Ela também escreveu um livro contando a história da Reforma em Genebra.

INGLATERRA

Jane Grey escreveu cartas ao reformador Heinrich Bullinger aos 14 anos. Como rainha, Jane lutou contra intensos esforços de convertê-la a Roma quando tinha 16 anos. Ela resistiu a estes esforços com raciocínio teológico e ensino bíblico contra um professor de teologia com o dobro de sua idade.
Catherine Willoughby tornou-se a duquesa de Suffolk, em 1533 e era uma amiga de Jane Grey. Ela protegia o pregador-bispo Hugh Latimer, vítima de perseguição, até que as coisas se tornaram tão insuportáveis para ela que, para salvar sua vida, ela fugiu para a Holanda com seu bebê. Ela foi forçada ao exílio como uma defensora da Reforma.

ITÁLIA

Olimpia Fulvia Morata era uma estudiosa italiana nascida em Ferrera como a filha mais velha de um estudioso humanista, que, depois de ser forçado a fugir de sua cidade ao norte da Itália, palestrou sobre os ensinamentos de Calvino e Lutero. Olímpia floresceu em seus estudos, especialmente em latim e grego, exibindo erudição impecável. Ela escreveu diálogos em latim, poemas em grego e cartas tanto para estudiosos (em latim) quanto para mulheres menos escolarizadas (em italiano). Em seu “Diálogo entre Teófila e Filótima”, ela encorajou aqueles que temiam que seus enormes pecados iriam obstruir seu caminho para Deus:
Não temam… Nenhum odor dos pecadores pode ser tão mal cheiroso que sua força não possa ser quebrada e enfraquecida pelo odor mais doce que flui a partir da morte de Cristo, que só Deus pode perfumar. Portanto, busquem a Cristo.
Todas estas mulheres desejaram ver o triunfo da Reforma, e a boa notícia do evangelho superar a oposição, tanto dentro da igreja quanto fora dela. Elas serviram com paciência, coragem e perseverança. Elas não eram apenas observadoras da Reforma, mas também participantes. Além disso, cada uma delas foi  poderosamente usada por Deus para manter a integridade de Sua igreja e redimir uma humanidade caída.

http://voltemosaoevangelho.com/blog/2011/10/novareforma-justin-holcomb-mulheres-incriveis-da-reforma/

Verdades sobre a Reforma que ainda precisamos resgatar



Estamos na Semana da Reforma. 31 de outubro de 1517, Wittenberg, Alemanha. Um novo tempo começava, das ânsias guardadas no cerne de corações inflamados, surge uma nova forma, Reforma. Como um abençoado eco de Wycliffe (1328-1384), cujos ossos foram queimados trinta anos depois de sua morte, e de John Huss (1373-1415), o “ganso” que profetizou sobre o “cisne”, um tempo de redescobertas começava.
Na porta da igreja do castelo de Wittenberg, 95 teses começavam a desmontar uma história de opressão teológica. A vida de Lutero era marcada por um demolidor peso de culpa e senso absurdo do pecado, até o dia em que ele se depara com Rm.1.17, onde sua mente é aberta para a verdade transformadora da justificação por graça e fé. No século XIX, a frase mais conhecida da Reforma seria popularizada: “Ecclesia reformata et semper reformanda est” (“A igreja reformada está sempre se reformando”).

Quais são as principais verdades sobre a Reforma que ainda precisamos resgatar?

I – O resgate da justificação do pecador por graça e fé
 
Questão central do Evangelho: Como podemos, míseros pecadores, ser alvos da graça de Deus? John Stott dizia que “ninguém entende o cristianismo, se não entende a palavra ‘justificado’". A justificação por graça e fé começa onde há libertação dos esquemas de merecimento: indulgências, peregrinações, penitências, ativismo eclesiástico.
Reafirmar esse princípio nos leva a desmascarar teologias que priorizam o ter em detrimento do ser. É o efeito Lutero destruindo a tirania do merecimento.

II – O resgate da autoridade normativa das Escrituras

A redescoberta do evangelho tem passagem obrigatória pela oração e estudo da Palavra. Na época de Lutero, a hermenêutica estava presa aos esquemas próprios e tendenciosos de interpretação da igreja. A reforma afirma que as Escrituras têm autoridade suprema sobre qualquer ponto de vista humano. Não somos chamados a pregar uma teologia, mas o evangelho!

Lutero dizia que “no momento em que lemos a Bíblia é quando o Diabo mais se apresenta, pois tenta nosso coração a interpretar as verdades lidas segundo nossa própria vontade, e não segundo a vontade soberana de Deus”.

É preciso redescobrir a centralidade da Palavra. Reafirmar esse princípio nos leva hoje a questionar nossa hermenêutica, a assumir uma atitude bereana (At. 17. 10, 11), uma atitude de quem pensa.

III – O resgate da igreja como comunhão dos santos

Lutero amava a igreja, não queria dividi-la, mas oferecer-lhe um caminho de cura. A igreja era governada pelo Papa, e não por Cristo. Somente o clero possuía a Bíblia, isso sem falar no acúmulo de riquezas e poder da igreja enquanto o povo sofria na miséria (isso lembra alguma coisa?). Para Lutero, a igreja é o “autêntico povo de Deus”, os líderes servem à igreja, e não podem se servir dela. Por isso Lutero reafirmou o sacerdócio geral de todos os crentes – todo cristão tem a responsabilidade de anunciar o evangelho.

Reafirmar esse princípio hoje, numa sociedade do egoísmo, do individualismo e da indiferença, é assumir um chamado ao arrependimento. Esse arrependimento abrange todos os “caciques denominacionais” que ainda exploravam o povo, até às mentalidades ingênuas que, por preguiça mental, nunca progridem na fé.

IV – O resgate da liberdade do cristão

Lutero redescobre o prazer de ser livre. Como somente Deus é livre, ele nos concede a liberdade por meio de Jesus Cristo (Jo. 8.31,32 e 36). Lutero perguntava: “para que serve a liberdade do cristão?”, ao que ele mesmo respondia: “o cristão é livre para amar”. Estamos dispostos a amar hoje?

Reafirmar esse princípio significa reavaliar todo e qualquer sistema de submissão opressiva, legalismos asfixiantes, estreitamentos neurotizantes, experiências carismáticas carentes de misericórdia, que destroem a liberdade.

V – O resgate da centralidade da cruz de Cristo

Através da libertação em Cristo, o cristão se torna “um Cristo para os outros”(Lutero), portanto, quem é cristão não pode dominar sobre os seus semelhantes, sob pretexto algum. Antes, solidariza-se com o sofredor, ajudando-o a carregar a cruz. Na cruz, o cristão vê crucificado o mundo. Dela vem a nossa vocação para estabelecer o reino de justiça, igualdade e paz. É o sinal supremo do amor de Deus.

Reafirmar esse princípio significa voltar à verdade de que não somos celebridades, mas servos. Como um cristão do passado dizia, “a vida oferece somente duas alternativas: autocrucificação com Cristo ou autodestruição sem ele”.

Somos chamados a discernir o espírito de cada época. Será que estamos dispostos a assumir o “efeito Lutero” em nossa prática teológica atual? Que a igreja seja sempre uma “igreja reformada, sempre se reformando”.
Alan Brizotti homenageando a reforma no Genizah
http://www.genizahvirtual.com/2011/10/verdades-sobre-reforma-que-ainda.html

26 de outubro de 2011

Não reduza o cristianismo a conjunto de bons conselhos

 
 
“Reduza o cristianismo a um bom conselho e ele se harmoniza perfeitamente à cultura do treinamento de vida. Pode parecer relevante, mas, na verdade, ele acaba perdido no mercado das terapias moralistas.

Quando anunciamos o cristianismo como o melhor método de aprimoramento pessoal, inclusive com depoimentos sobre o quanto estamos cada vez melhores desde que “entregamos tudo”, os não cristãos podem, com toda razão, nos questionar: “Que direito você tem de dizer que a sua [religião]* é a única fonte de felicidade, significado, experiências emocionantes e aperfeiçoamento moral?”. Jesus claramente não é a única forma eficaz para uma vida melhor ou para um eu melhor. Qualquer pessoa pode perder peso, parar de fumar, melhorar um casamento e se tornar mais agradável sem Jesus.
O que distingue o cristianismo, em sua essência, não é seu código moral, e sim sua história – a história de um Criador que, embora rejeitado por aqueles que criou à sua imagem, se inclinou para reconciliá-los consigo mesmo por meio de seu Filho. Essa não é uma história sobre o progresso do indivíduo para o céu, e sim a narrativa dos acontecimentos históricos da encarnação de Deus, da expiação, da ressurreição, da ascensão e do retorno, bem como da exploração de seu rico significado. Em sua essência, esta história é um evangelho: as boas-novas de que Deus nos reconciliou consigo mesmo em Cristo.”
*Esta palavra foi inserida por mim [Danilo Neves] pra dar sentido a frase, pois ela não constava na tradução.
Fonte: Michael Horton. Cristianismo Sem Cristo, editora Cultura Cristã, p. 86, 2010.

http://www.genizahvirtual.com/2011/10/nao-reduza-o-cristianismo-um-conjunto.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+Genizah+%28Genizah%29

17 de outubro de 2011

Jesus: filho da virgem e da prostituta

Registro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão:(...)Salmom gerou Boaz, cuja mãe foi Raabe; Boaz gerou Obede, cuja mãe foi Rute; Obede gerou Jessé;(...)e Jacó gerou José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo. (Mateus 1:1,5,16)
Embora, segundo a Bíblia, todos os seres humanos partilhem uma mesma origem e sejam iguais em valor, não é bem assim que a humanidade se enxerga. Em todas as sociedades existem normas, "réguas" pelas quais nós medimos o valor das pessoas. E uma das mais comuns é a "origem", o sangue.
Assim as castas na Índia são estruturadas de acordo com a família. Na Europa criou-se a nobreza, os de "sangue azul". Japoneses não são muito simpáticos a que seus filhos se casem com os gaijin (não japoneses) e o mesmo pode ser dito de várias outras etnias. Mesmo em sociedades que se orgulham de ser mais democráticas, como os Estados Unidos, surgiram padrões como o wasp (branco, anglo-saxão e protestante) para designar as famílias mais "nobres".
O Brasil não é exceção, inclusive dentro das igrejas evangélicas. A "boa família" é uma característica desejada para um bom partido (seja marido ou esposa), ajuda a arrumar amizades, a conseguir posições eclesiásticas e até a projetar ministérios (como a cantora irmã de Fulana ou o deputado filho do pastor Beltrano). Assim como no resto da sociedade, quem não tem uma "boa origem", aparentemente, sofre um pouco mais para achar o seu lugar debaixo do "Sol" protestante. Que o digam, por exemplo, os que se convertem já na mocidade e tentam se encaixar em uma igreja onde todos são parte de alguma família.
Mas...isso é bom ou ruim? A resposta pode ser surpreendente.
O filho da virgem
Mas, se há alguém que pode vindicar o título de "Família Real" da humanidade, este é o caso da família do rei Davi. Desde a queda do homem no Jardim do Éden (a história está em Gênesis 3), Deus havia prometido que um Salvador viria "esmagar a cabeça da serpente" e ser uma bênção para todas as nações. Este Salvador era um homem, mas ao mesmo tempo, seria o Filho de Deus. O nome dele é Jesus, 100% Deus e 100% homem.
E é de propósito que Deus determina uma espécie de linhagem santa e real que leva até Jesus. Essa distinção é feita logo na abertura do Novo Testamento: Jesus é filho de Davi (rei) e de Abraão (o patriarca da fé). Ele não é um personagem isolado no tempo, mas o ponto culminante de uma história que começou na criação, passou pela fé dos patriarcas (Abraão) e pela dinastia de Davi. Jesus é o cumprimento de uma série de promessas e histórias, de uma caminhada de fé transmitida de geração a geração por pessoas santas.

Isso tudo é corporificado em Maria, a mãe de Jesus. Ela não era uma mulher qualquer: era uma virgem, da família mais importante da humanidade e cheia de qualidades e virtudes. A Bíblia não registra em detalhes a história dela, mas certamente ela foi a mais virtuosa das mulheres, o símbolo da origem santa de Jesus. O Cristo é filho da virgem.
O filho da prostituta
Contudo, a Bíblia não registra apenas o lado belo da Família Real. Afinal, de todas as ofensas que você pode dirigir a outro ser humano, é meio difícil achar uma mais ofensiva do que "filho da prostituta" (eufemismo). E, bem, a Bíblia mostra que, se Jesus era filho da mais santa das mulheres, Ele também era filho (descendente) de uma mulher desprezada e desonrada aos nossos olhos. De modo deliberado, Mateus destaca que Jesus era filho da prostituta Raabe.
A história de Raabe você encontra no livro de Josué. Ela era cananeia, moradora de Jericó, uma cidade inimiga de Israel, a primeira que seria conquistada pelos hebreus na Terra Prometida. Naquele tempo, a prostituição não era um mero comércio de corpos e prazeres sexuais. Na verdade, era uma atividade ligada aos cultos cananeus de fertilidade. O agricultor fertilizava a prostituta (uma espécie de sacerdotisa) assim como o deus Baal deveria fertilizar a terra (com chuva) para abençoar a colheita.
Raabe era, portanto, uma inimiga, uma prostituta e uma idólatra. Três vezes maldita. Três vezes desprezível segundo a Lei de Moisés. É difícil pensar em uma origem pior, uma forma pior de começar a vida.

Mas a pecadora mudou de lado. Ela protegeu espiões israelitas que foram até Jericó e salvou-lhes a vida. Pediu a proteção de Israel e acabou salvando a si mesma e aos seus parentes. Mais do que isso: ela foi acolhida pelos israelitas. Casou-se com Salmom, filho de Naassom, príncipe da tribo de Judá. Foi mãe de um dos homens mais ricos e respeitados em sua época, Boaz, de Belém, antepassado do rei Davi.
E, embora Raabe não fosse parte de uma linhagem santa, tornou-se parte dela. Tornou-se mãe de reis. Mais que isso, tornou-se mãe do Rei dos Reis, antepassada de José e de Maria, uma das três mulheres destacadas na genealogia de Jesus.
A mensagem de Jesus
O que estes fatos nos ensinam? Qual a relevância de Jesus ser, ao mesmo tempo, filho de uma virgem e de uma prostituta?
Em primeiro lugar, ela nos mostra que o Evangelho não é a história de homens e mulheres que se encontram individualmente com Cristo. Hoje a espiritualidade é vista como uma decisão individual, de preferência, descontextualizada da experiência dos pais e até mesmo do povo. É a história do "meu filho vai escolher a religião que vai seguir". Mas o Evangelho é mais do que isso: é a concretização de uma fé e de uma esperança de uma família, de um povo, de toda a humanidade. É um tesouro que deve ser passado de geração em geração.
Portanto, as famílias que servem ao Senhor durante várias gerações podem se orgulhar de sua história e de sua tradição. Não legamos aos nossos filhos apenas uma herança material, mas também uma herança espiritual, como aconteceu com a família do rei Davi.
Em segundo lugar, a genealogia de Jesus nos mostra que, aos olhos de Deus, o que conta mesmo é a decisão de servi-Lo. Uma vez que alguém decide servir ao Senhor e abandona os ídolos, os falsos deuses, os pecados e até mesmo os valores errados de seu povo, esse alguém é acolhido pelo Senhor. O passado não conta mais, de forma tal que até mesmo uma prostituta é destacada no meio de todas as outras que foram mães de Jesus.

E aqui há uma mensagem de esperança e uma advertência. Para aqueles que não se sentem filhos "das pessoas certas", tiveram uma infância problemática e um passado cheio de escolhas ruins, Jesus nos mostra Raabe como o exemplo de que Ele veio mudar tudo isso. Nada pode impedir Jesus de agir em nós e nos tornar iguais aos "príncipes e princesas" de Israel.
Para os demais, que reparam demais na origem das pessoas, fica a advertência de que não é assim que o Senhor nos olha. Jesus não observa a etnia, a conta bancária e nem a certidão de nascimento de seus filhos. Quando Ele vai providenciar as bênçãos para a sua Igreja, Ele ignora até mesmo os pecados cometidos no passado, desde que exista arrependimento. E, se é assim com o Senhor, deveríamos fazer o mesmo e acolher igualmente o bisneto do presbítero e a jovem universitária punk que acabou de se converter. Como está escrito:
Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens; que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto. (Efésios 2:11-13)
Graça e paz do Senhor,
Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro
http://reformaecarisma.blogspot.com/2011/10/jesus-filho-da-virgem-e-da-prostituta.html

11 de outubro de 2011

Entre as andanças da vida

        

     A vida nos proporciona e nos permite andanças, mudanças e aprendizado constante. E para aqueles que estão à procura de algo substancial e relevante para suas vidas no que tange uma práxis cristã fundamentada em Cristo, penso que a espiritualidade “mundana” seja uma proposta interessante. Vivemos a era das tecnologias e das informações on-line. Temos o mundo em nossas mãos dirão algumas pessoas mais empolgadas. Porém, apesar de tanta informação e de podermos nos comunicar com o mundo inteiro através de um click, como bem disse Bauman em seu livro “vidas desperdiçadas”: “existe um crescimento incontrolável do “lixo humano”, pessoas descartáveis ou “refugadas”, que não puderam ser aproveitadas e reconhecidas numa sociedade cada vez mais seletiva”.
     É interessante pensarmos sobre como devemos atuar neste contexto tão desolador onde pessoas são vistas como objetos descartáveis. Neste sentido, o lixo que temos produzido tem reflexos na sociedade de consumo cada vez mais carregada de uma ideologia consumista e que incentiva a individualização do indivíduo, que acarreta na negação do ser humano em ser solidário com seus semelhantes.
    Em tempos onde a descartabilidade das pessoas tem imperado em todos os segmentos da sociedade, consequentemente os cristãos também são afetados em suas comunidades de fé. Penso que a alternativa possível para este problema seja nos voltarmos para a simplicidade das coisas. Um texto que pode nos ajudar a elucidar isso é o caminho dos discípulos de Emaús.
   Neste texto é importante olharmos nas entrelinhas da letra. Ali homens e mulheres são desafiados a caminharem junto com o mestre das andanças. Entre o primeiro passo e a chegada do percurso existe a caminhada. E nela é onde aprendemos com Jesus como o diálogo, a comunhão, a partilha e o aquecer dos corações podem trazer o refrigério para a alma abatida.
     Uma espiritualidade “mundana” é aquela que está apta para ouvir o outro e nos conduzir numa jornada de maturidade e diálogo constante. É interessante notarmos na leitura do texto que enquanto os discípulos conversavam um com o outro eles não percebiam quem os estava acompanhando. Assim somos nós quando nossos olhos ficam entenebrecidos de reconhecer o mestre. Somente com os olhos iluminados pelo Espírito de Deus é que podemos de fato reconhecer com quem estamos andando e sentirmos o acolhimento de Cristo quando nos assentamos com ele para cear.
     Nestas andanças em que Jesus se assenta conosco, somos desafiados à partilha em um mundo cada dia individualizado e voltado para seus próprios dilemas. Onde quem não consume conforme disse Bauman: “torna-se refugo humano e o que é consumido transforma-se em lixo”, a proposta de Jesus da simplicidade é intrigante e de rompimento de paradigmas com o nosso eu. E só conseguiremos chegar a varonilidade perfeita quando entrarmos na espiritualidade que é construída no caminho. Ou seja, com o suor do rosto, com as lágrimas da vida, com o sorriso de uma criança, com as mãos calejadas, com os pés descalços e com o coração cheio da graça de Deus. É neste caminhar que todos e todas são convocados a trilharem sua espiritualidade cristã. Shalom!
Marco Carvalho

6 de outubro de 2011

O aluno arrogante que foi suspenso da escola

     Vocês acham um absurdo alguém fazer piada com estupro, então vocês são todos uns politicamente corretos chatos. O argumento tem sido usado sem parar pela turma dos humoristas do "CQC" e seus fãs sempre que alguma "piada" absurda vem à tona e eles são criticados. Chamar alguém de politicamente correto virou xingamento da turma arrogante, que acha que pode falar o que bem entende e não ser cobrado por isso.
     Quem fala o que quer, ouve o que não quer. E, se o que foi dito foi falado na televisão e está lá gravado para sempre, você vai ter que responder por isso, sim. Normal. É assim na vida. E é assim se o seu trabalho tem repercussão.
Rafinha Bastos e sua turma agiam como se não houvesse limites. "Eu faço o que eu quero, dane-se", tem sido a postura do "humorista" cada vez que foi cobrado (pelos politicamente corretos chatos, claro, porque quem me cobra é sempre um mala, eu não, eu sou bacana e engraçado pra caramba) por ter feito piada sobre estupro, mulher gorda, órfãos e, no caso mais recente, ter comentado que, dada a beleza de Wanessa Camargo grávida, "comeria mãe e filho."
     Rafinha parece ter caído pesado no pior pesadelo da fama, aquele que faz com que as pessoas achem que nada pode os atingir, já que são famosos, ricos, poderosos. Cada vez que seu nome aparecia na mídia internacional, o "humorista" escrevia "chupa mundo".
Rafinha, o invencível, aquele que pode mandar o mundo se danar agora começa a pagar. Sua postura começou a ser questionada pela Band, emissora que sempre o protegeu, e o humorista foi suspenso do programa. "Isso só aconteceu porque o marido de Wanessa Camargo é poderoso", dizem. E deve ser verdade. Mas não importa. Rafinha talvez comece a aprender agora o que em geral as crianças de oito anos passam a entender. Se você falar absurdos, vai ser expulso da escola. E não adianta depois reclamar que a professora era gorda, feia, mal amada. Rafinha foi parar na sala da diretoria. Acontece.
Não, não existe censura no Brasil (outro argumento dos Politicamente Fascistas, termo cunhado brilhantemente por Marcelo Coelho na Folha). Mas ninguém pode tudo. Quer dizer, poder até pode, mas depois corre o risco de ser expulso da escola. É a vida, mano.
Nina Lemos tem 40 anos e é carioca exilada em São Paulo. Escreve para a "Folha" desde os anos 90 onde, entre outras coisas, atuou como colunista com o trio 02 Neuronio. É autora de cinco livros com o grupo e do romance "A Ditadura da Moda". Atualmente é repórter especial da revista "Tpm".
http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/ninalemos/984673-rafinha-bastos-o-aluno-arrogante-que-foi-suspenso-da-escola.shtml